Dampyr em Portugal
O BD Jornal, um jornal, ou melhor dizendo, uma revista sobre a Nona Arte editada em Portugal, dá no seu número 19, de Junho/Julho de 2007, um grande destaque a uma personagem da editora Bonelli, que teve uma aventura passada em Portugal: DAMPYR de seu nome!
O BDjornal surge agora em novo formato (275 x 205 mm) e com mais páginas (76) e em impressão digital – capa em cartolina de 200 grs. plastificada brilhante e com papel do miolo de 115 grs. - agora com tiragem limitada e distribuição centrada nas lojas da especialidade, apostando decididamente em reforçar o número dos assinantes.
O preço de capa é de € 6,00 e a assinatura por 1 ano (6 números) é de € 30,00.
Por norma, o blogue português do Tex, é dedicado exclusivamente a TEX WILLER e ao seu mundo, mas sempre que uma personagem Bonelli, que não Tex, tiver algo de muito relevante e que diga respeito a Portugal, terá espaço no blogue do Tex, na rubrica dedicada a outras personagens Bonelli, acabada de criar para o efeito.
************************************************
Texto do BDJornal nº 19, de Junho/Julho - 2007
Por João Miguel Lameiras
DAMPYR EM PORTUGAL
Depois de, durante um ano, ter sido presença regular nas bancas portuguesas, por via das edições brasileiras da Editora Mythos, actualmente praticamente reduzidas às aventuras do cowboy Tex, Dampyr o caçador de vampiros criado por Mauro Boselli e Maurizio Colombo voltou a Portugal em Junho do ano passado, embora apenas os leitores italianos se tenham apercebido disso…
A verdade é que, desta vez, foi a personagem quem esteve em Portugal e não a revista que conta as suas aventuras. Tudo aconteceu no nº 75 da série mensal italiana, publicado em Junho de 2006, numa história chamada “Lo Sposo della Vampira”, em que Harlan Draka e o seu amigo Kujak vão até Trás os Montes, investigar a lenda do Castelo de Monforte da Estrela, que dizem estar assombrado por uma vampira.
Seja através do cinema, da literatura, ou da BD, a verdade é que a figura do vampiro está cada vez mais enraizada no imaginário da cultura de massas, tanto no Ocidente, como no Oriente. Um sucesso natural, a que não é alheia a grande carga erótica inerente ao conceito de um ser imortal, que suga a vida às suas presas. Um fascínio que tem sido devidamente aproveitado pelo cinema, mas também pela BD, que ao longo de décadas tem sabido reinventar esse arquétipo das mais variadas formas.
A série Dampyr insere-se claramente nessa tradição, mas a grande inovação de Mauro Boselli e Maurizio Colombo, dois argumentistas habituais da casa Bonelli e criadores de Dampyr, foi escolherem como cenário para a aparição do mal simbólico (os vampiros) um espaço martirizado pela guerra, onde o mal é bem real: as Balcãs. E é precisamente ao folclore da região que ao argumentistas foram buscar inspiração, pois de acordo com as lendas locais, o Dampyr é fruto da união de um vampiro com uma mulher mortal, sendo por isso alguém que está entre dois mundos e cujo sangue pode destruir os vampiros.
O herói involuntário desta série é Harlan Draka, um Dampyr que no início não tem consciência dos seus extraordinários poderes, nem sabe bem como usá-los, mas que acaba por descobrir que, embora tenha conseguido não se envolver na guerra que assola o seu país, não vai poder deixar de tomar partido na guerra contra os vampiros, como Gorka, o mais poderoso vampiro da região, contando como aliados com um militar, Kurjak, e com Tesla, uma vampira que se quer libertar da influência do seu senhor, Gorka.
Escrita por dois veteranos da casa Bonelli, que já assinaram argumentos para inúmeras outras séries da editora, “Dampyr”, apesar da originalidade da premissa inicial, apresenta as características habituais da “fábrica Bonelli”, que já nos habitou a história eficazes e bem contadas, mas algo presas a uma receita que não contempla grandes variantes. Neste caso, a luta sem tréguas de Harlan com os Mestres da Noite, não acaba com a morte de Gorka, ou de Vurdlak, o Mestre da Noite que o criou, mas prossegue por todo o mundo. Um périplo pelo sobrenatural que, a partir de Praga, leva o Dampyr pelos quatro cantos do mundo, em histórias que permitem aos seus autores reinterpretar à sua maneira as mais diversas lendas do fantástico, com Harlan a ter que enfrentar fantasmas, demónios, entidades lovecraftianas e anjos caídos, para além dos tradicionais vampiros, cujo extermínio se tornou o principal objectivo da sua vida.
E é assim que Harlan Draka se transforma num verdadeiro “globe trotter” do sobrenatural, percorrendo o mundo, de Praga à ex-Jugoslávia, de Paris a Berlim, de Veneza ao Japão, até chegar a Portugal, na história que motiva este texto.
Escrita pelo criador da série, Mauro Boselli e com (excelentes) desenhos de Alessandro Bocci, a história tem como ponto de partida um filme de terror de série B, que o realizador Roland Kirby decide filmar em Trás-os-Montes, a partir do romance Inês de las Sierras, um conto gótico escrito em 1838 por Charles Nodier, um escritor romântico francês. E se tanto Nodier como o romance que escreveu existiram realmente, a acção do conto de Charles Nodier tem lugar perto de Barcelona, no castelo de Ghismondo, o que justifica o apelido espanhol de Inês, não se percebendo muito bem porque Boselli mudou a acção da história da Catalunha para Trás os Montes …
De qualquer modo, Portugal, mais do que os cenários e os figurantes cede também um personagem secundário, com importância no desenrolar da história, que é o pastor Vitorino Rocha, que conduz Harlan até ao castelo e lhe salva a vida, ao alertar a protecção civil em relação ao incêndio (infelizmente tão típico do Verão português) que isolou o Castelo de Monforte.
E, se os autores mostram algum cuidado na descrição da aldeia fictícia de Riba Preta, ou no Castelo de Monforte da Estrela, já em termos históricos, a coisa falha, e muito, quando Mauro Boselli põe uma das personagens a dizer que o Castelo tinha a forma actual desde o reinado de D. Dinis, que o reconstruiu para manter os mouros longe. O problema é que Dom Dinis, que nasceu em 1261 e só se tornou Rei em 1279, nunca teve propriamente que se preocupar com os Mouros, que tinham abandonado o território português antes de ele nascer, em 1249, ano em que a conquista de Faro, Albufeira e Silves, por Dom Afonso III, pai de Dom Dinis, põe oficialmente fim à reconquista portuguesa, o que torna perfeitamente disparatada toda a intriga em torno do emir árabe que conquistou o castelo na Idade Média.
De qualquer modo, para o que é habitual em termos da representação de Portugal e dos portugueses na BD, até não nos podemos queixar muito, pois Bocci desenha de forma perfeita os cenários transmontanos e tanto os nomes portugueses como algumas expressões coloquiais aparecem correctamente escritos. Apesar desse rigor, habitual na casa Bonelli (basta ver a pesquisa que envolve uma série como Martin Mystére) Portugal aqui pouco mais faz do que ceder as suas paisagens para cenário de uma história que gira em torno do cinema, homenageando, de forma mais ou menos directa, os grandes clássicos do cinema de terror. Italiano e não só.
A cena inicial do livro, que acaba por se revelar como uma sequência de um filme de terror, na linha das produções da Hammer, ou das adaptações dos contos de Edgar Poe produzidos por Roger Corman, dá logo o tom, acentuado pelos diálogos. Roland Kirby, assume que pretende ser o Roger Corman do século XXI e transformar a sua actriz na reencarnação de Barbara Steele (a actriz de La Maschera del Demónio, um clássico do mestre do terror italiano, Mário Bava, que já tinha servido de base a uma aventura de Dylan Dog), enquanto que o actor Eddie Chapman evoca Dário Argento, para além de Corman e Bava.
Mas a maior citação cinéfila acontece na cena em que Lucy é fechada dentro de um caixão. Cena que não pode deixar de evocar a mais célebre sequência do filme La Paura de Lúcio Fulci, que Tarantino também homenageou no seu Kill Bill. E, prosseguindo com as metáforas cinematográficas, não é demais salientar o trabalho de Alessandro Bocci como director de fotografias deste filme de terror em papel, com o desenhador italiano, que desenhou o bárbaro Conan antes de entrar na escuderia Bonelli, a mostrar um traço clássico, de grande pormenor e legibilidade, muito bem servido por um excelente uso de tramas.
Infelizmente, com o fim da edição brasileira da Mythos, que acabou no nº 12, os leitores portugueses deixaram de poder acompanhar as aventuras de Harlan Draka. Assim, muito dificilmente poderemos ler em português esta aventura do Dampyr em passada em Portugal e saber algo mais sobre a ligação entre a maldição da família Kirby, o misterioso Emir cujo nome a História não fixou e a vampira que se esconde no Castelo de Monforte da Estrela.
Nenhum comentário:
Postar um comentário